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Resgate do Projeto Fragmentos, novela de Manoel Carlos mostra uma história bem diferente do universo das Helenas, mas com elementos já conhecidos
As tramas de Manoel Carlos sempre são citadas entre as queridinhas dos noveleiros e entre as mais marcantes da teledramaturgia, isso é fato. Dramas, paixões, barracos e o merchandising social são ingredientes presentes nas novelas do autor e não seria diferente em 'Sol de Verão' (1982).
Ela é mais um clássico resgatado pelo Projeto Fragmentos, lançado em janeiro deste ano, e que busca resgatar títulos dos anos 1970 e 1980 que possuem poucos capítulos restantes.
Mais de quarenta anos depois e nunca reprisada, a novela foi disponibilizada com apenas oito capítulos de seus 173, sendo eles os capítulos 1, 2, 69, 70, 121, 122, 137 (o último), e um especial: o 138.
A trama
Sol de Verão conta a história de Rachel (Irene Ravache), uma mulher que vive infeliz no casamento e decide se separar de Virgílio (Cécil Thiré) para ir em busca da própria felicidade. Ela sai de Petrópolis com a filha Clara (Débora Bloch) e vai para a casa da mãe Laura (Beatriz Segall), em Ipanema, no Rio de Janeiro. É nesse lugar que ela encontra uma nova paixão: o charmoso e rude Heitor (Jardel Filho). O homem é dono de uma oficina mecânica e mora com a irmã Irene (Beatriz Lyra), em um sobrado antigo, local considerado um dos principais cenários da novela.
Heitor é um típico carioca que adora viver na noite e se nega a assumir um compromisso com qualquer mulher, mas acaba se apaixonando por Raquel. Após anos de casamento, ela não consegue se entregar a um novo relacionamento, mas Heitor consegue conquistá-la. O romance não conta com o apoio de Laura e dos amigos de Rachel, que acham um absurdo devido às diferenças de classe social. No entanto, apaixonada, Rachel se muda para o sobrado do mecânico.
Clara sofre com a separação dos pais e fica dividida, principalmente por ter de se afastar do convívio do pai, a quem é muito ligada. Virgílio não consegue aceitar a separação e tenta de todas as formas cercar Rachel e dizer que ainda a ama.
Junto da trajetória da protagonista, há a trama do deficiente auditivo Abel (Tony Ramos), um rapaz sensível, inteligente e divertido. Pouco se sabe sobre ele, mas por trás de muito carisma e simpatia, Abel esconde suas tristeza e busca sua verdadeira identidade. Sem família, ele começa a trabalhar na oficina de Heitor e passa a viver no sobrado. Por conta da proximidade com Abel, Rachel consegue um emprego para dar aulas para uma turma de deficientes auditivos no instituto onde ele estuda. No decorrer da novela, Abel desperta o amor de Clara e da aeromoça Olívia (Carla Camurati).
O inesperado
Uma tragédia aconteceu na reta final da novela: Jardel Filho, que interpretava um dos principais personagens de Sol de Verão, morreu em fevereiro de 1983 – algo que abalou toda equipe, especialmente, o autor Manoel Carlos, que era muito amigo do ator. Maneco se afastou e assim Lauro César Muniz foi chamado para escrever os últimos 17 capítulos.
O desfecho da novela foi bastante tumultuado. Os textos chegavam em cima da hora e as cenas eram gravadas poucas horas antes de irem ao ar. Mesmo com o ocorrido, a audiência cresceu no último mês. Com a perda de Jardel Filho, surgiu a necessidade de mudar o rumo de Rachel, que passou a ser cortejada pelo professor Horácio (Paulo Figueiredo) e pelo ex-marido Virgílio.
Rachel: uma “Helena” mais corajosa
A personagem Rachel logo no primeiro capítulo já apresenta um grande dilema: deseja se divorciar do marido para ser feliz, ao mesmo tempo que tem de lidar com conselhos da mãe Laura, que não vê propósito na ideia da filha. A protagonista se casou cedo por conta de uma gravidez, mas sente uma grande vontade de ser feliz.
Uma fala muito interessante da protagonista, "sempre a vida dos outros", mostra que ela não se priorizava, mas nunca deixou morrer esse seu desejo de viver a própria vida, mostrando que ainda luta pelo que quer. Essa motivação da Rachel me faz pensar nas Helenas que diferente da figura feminina principal de 'Sol de Verão', as Helenas do Leblon simplesmente renunciaram a si em prol da felicidade das filhas.
Clara tem aquele jeitinho que as filhas das Helenas tem, mas com poucos capítulos é difícil dizer se ela poderia competir com Joyce, Camila e cia. As pessoas acham o casal Rachel e Virgílio um modelo de amor duradouro, algo muito comum nas novelas do autor, mas que, no fundo, sabemos que não é bem assim.
Interessante ver que, a primeiro momento, Rachel se separa para ficar sozinha, pois tem dificuldades de se relacionar novamente, mas Heitor, um solteirão convicto, acaba cruzando seu caminho e eles se tornam um casal e, desse relacionamento, ela acaba engravidando.
Rachel é uma mulher que tem sede da vida, uma vontade imensa de viver, de fazer muitas coisas e talvez não tenha feito mais cedo por conta do seu casamento. Ela possui um espírito de juventude, diferente da mãe que parece que não conseguiu ser feliz e pensa que todos devem seguir as convenções sociais. Enquanto Rachel tem espírito de juventude, Laura parece se contentar com o que é imposto e sempre se preocupa com que os outros vão pensar ou dizer.
A protagonista é sonhadora, fala do próprio Abel, após vê-la animada com a reconstrução do jardim que havia em frente ao sobrado onde ele vivia. Ao ser chamada de uma pessoa sonhadora, ela mesma afirma que é.
Rachel e Clara: uma relação conturbada
Diferente das Helenas que colocam suas filhas em primeiro lugar, e até se anulam, somente para que as moças possam ser felizes, a protagonista de Sol de Verão tem uma postura diferente.
É possível perceber que Rachel e Clara, mãe e filha, possuem uma relação conturbada. Isso pode ser visto em uma das conversas de Rachel com Laura, em que ela diz: "mamãe, eu não sou acomodada e conformista". Isso mostra que ela busca a felicidade, independente da aprovação de Clara.
Ao comunicar a novidade da gravidez, Rachel e Clara discutem, pois a jovem não gosta da notícia, mostrando que, no fundo, é extremamente mimada. Um ponto interessante de Rachel é que ela dá liberdade para a filha, diferente das Helenas.
Abel e uma trama sensível
Abel, personagem interpretado por Tony Ramos, foi outro ponto muito interessante de se ver na novela. O rapaz é um deficiente auditivo divertido e que usa todos os meios possíveis para se comunicar. Aos 18 anos, seu pai Caetano (Gianfrancesco Guarnieri), acusado de um crime, fugiu para não ser preso e o rapaz ficou sozinho.
Abel desconhece a identidade da mãe. Ele frequenta uma escola especializada e trabalha na oficina de Heitor, consertando objetos. Ao longo da trama, o rapaz desperta o amor de Clara e Olívia.
O mistério sobre a origem de Abel é revelado no fim da história e ele reencontra sua mãe Sofia (Yara Amaral), que o abandonou por pensar que o filho tivesse morrido logo depois de dar à luz. Ao achar a mãe, Abel ganhou mais dois irmãos, Romeu (Miguel Falabella) e Miguel (Mário Gomes). Ao fim da trama, o rapaz se submete a exercícios de fonoaudiologia e logopedia para reaprender a falar, o que rendeu cenas bem interessantes de como funciona o processo para recuperar a fala. Logo depois, ele e Clara se casam.
A interpretação de Tony Ramos é muito linda de ver. Imagine viver um personagem deficiente auditivo e ter o desafio de entregar toda emoção somente com expressões faciais, fora o desafio de aprender a se comunicar em LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais).
Sol de Verão é uma novela que ficou marcada pela morte de Jardel Filho, mas ter a oportunidade de ver alguns capítulos foi uma grata surpresa pois aparentou ser uma trama muito interessante e dito isso, considerando o momento de remakes, essa seria uma boa opção de novela para ganhar uma nova versão.