Grande promessa no streaming, novela de João Emanuel Carneiro deu a sensação de que o público é bobo
Quando se fala de João Emanuel Carneiro, todo mundo imagina as vilãs Flora (Patrícia Pillar) de 'A Favorita' (2008) e Carminha (Adriana Esteves) em 'Avenida Brasil' (2012). O autor, depois de algumas novelas consideradas médias e até fracas, em 2022 voltou a ser assunto com sua novela para o streaming 'Todas as Flores'.
A notícia de que sua novela seria um original Globoplay fez com que muitos comentários a respeito do autor ser “rebaixado” do horário nobre, já que sua trama seria a substituta de 'Pantanal' (2022) e com essa reorganização, JEC, como é conhecido nas redes, foi realocado ao streaming e vejo que foi ótimo, porque, o autor além de ter mais liberdade para tratar determinados temas, poderia criar algo diferente do que já fez em sua carreira.
Novela em duas partes
'Todas as Flores' é a segunda novela original da plataforma, a primeira 'Verdades Secretas 2' (2021) foi um grande misto de prometeu e não entregou, mas não vou me estender muito sobre. Considerando esse fato, é normal que o streaming tente experimentar diversas estratégias para entender o comportamento do público e dessa vez, a novela foi dividida em duas partes, para testes e também por conta do BBB 23. Sendo assim, a primeira parte foi liberada entre outubro e dezembro de 2022, a segunda entre abril e maio, quando o folhetim chegou ao fim com 85 capítulos.
Essa divisão em partes é algo diferente, que só se vê no streaming e de certa forma alterou a empolgação do público para acompanhar a história. A animação e euforia que predominavam ao acompanhar a primeira parte, se tornou em decepção e passação de raiva na segunda parte.
Há quem diga que essa pausa de meses prejudicou o ritmo da história, mas o certo é que o Globoplay continuará colocando em prática estratégias diferentes que talvez o consumidor do serviço não entenda, mas é uma maneira de encontrar o ideal para oferecer as produções e ter o retorno desejado.
A primeira parte teve uma grande repercussão e logo deu para perceber que 'Todas as Flores' tinha muitos elementos semelhantes de outras novelas do autor. A Rhodes, por exemplo, impossível não pensar na Luxus de 'Cobras e Lagartos' (2006), a organização faz lembrar a facção em 'A Regra do Jogo' (2015), Rafael (Humberto Carrão) e a mãe Guiomar (Ana Beatriz Nogueira) sendo traídos e enganados por seus parceiros lembra muito Tufão em 'Avenida Brasil' (2012), assim como a sede de vingança que a protagonista Maíra (Sophie Charlotte) tem pela mãe Zoé (Regina Casé) ao longo da trama.
Destaque para Guiomar e Raulzito (Nilton Bicudo) que eram personagens interessantes, ele super divertido, mas que acabam morrendo na festa da Rhodes ainda na primeira parte. Entendo que eles precisaram morrer para a trama ter seus desdobramentos, mas acredito que renderia ótimas cenas.
Prometeu vingança e entregou frustração
A novela que teve uma primeira parte eletrizante, com cenas interessantes e que encerrou com Maíra jurando se vingar de Zoé, na segunda parte, simplesmente se perdeu. A cada leva de capítulos na parte dois, a tal vingança não se concretizava e isso decepcionou o público. Deu aquela famosa sensação quando você compra um produto e fica muito animado para ver o desempenho e no final ele não entrega e você se pergunta: por que eu comprei isso mesmo?
A vingança foi um ótimo argumento que convidou o público a assistir Todas as Flores, mas na prática, Maíra se vingou tal a seu modo, usando a bondade, mostrando a Zoé e Vanessa que é superior a elas por ser boa. A mocinha foi muitas vezes chamada de boba pelo excesso de bondade, mas a verdade é que Sophie Charlotte arrasou na composição e interpretação da personagem, foi muito bem e merece todos os elogios.
É natural que ao saber do argumento do autor, o público fique animado e curioso para ver como tudo se desenrolará, mas será que toda novela precisa entregar o que promete para ser um sucesso? Será que o público não é exigente demais? Ou será o autor que está subestimando a inteligência do seu público?
Vilãs sempre como destaque e mocinho sempre um banana
Não é nenhuma novidade que as vilãs de JEC roubam a cena: Flora em 'A Favorita', Carminha em 'Avenida Brasil', Bárbara em 'Da Cor do Pecado' são vilãs que figuram nas listas de noveleiros. O certo é que Zoé e Vanessa entraram para o hall de vilanias do universo "jequiano".
Letícia Colin foi muito bem como Vanessa, rendendo ótimas cenas, frases que divertiram o público. A parceria com Caio Castro rendeu cenas quentes e com Regina Casé o amor entre mãe e filha foi do "oito ao oitenta", mesmo uma querendo passar a perna na outra para se dar bem, no fundo formaram uma grande dupla na picaretagem, pois como já diria o ditado: "tal mãe, tal filha".
Zoé foi garantia de diversão. Regina Casé mais uma vez brilhou e rendeu cenas ótimas, tanto que virou meme com a frase "eu nem sabia que existia gente assim" ao se referir a filha Maíra que a tratava tão bem, além de nos mostrar o quanto Zoé era carente de amor, de alguém que gostasse dela como ela é.
A força da dramaturgia do autor está no feminino, mais especificamente nas suas vilãs, pois suas mocinhas geralmente não têm o mesmo poder de ser memoráveis, exceções para Preta (Taís Araújo) em 'Da Cor do Pecado' e Donatela (Cláudia Raia) em 'A Favorita' que tem a preferência do público, mas não conseguem catarses no mesmo nível das vilãs.
Ao olhar a dramaturgia de JEC, me faz lembrar de Gilberto Braga que é um grande nome da nossa dramaturgia que também tem uma obra com muita força no feminino, a única exceção é Felipe Barreto em 'O Dono do Mundo' (1991), mas sabemos que este é um caso em que o papel já foi destinado ao ator Antonio Fagundes.
Esse detalhe de força feminina e fraqueza no masculino é tão evidente que até o site UOL publicou uma análise feita pelo Vitor Balcunhas com título: Rafael é a prova de que João Emanuel Carneiro só faz mocinho 'soca fofo', basicamente os mocinhos bananas, que não tem atitude e são facilmente manipuláveis. Rafael até deu uma melhorada na segunda parte de Todas as Flores, mas isso não foi o suficiente para deixar de figurar na lista dos homens sem atitude.
O grande destaque masculino foi Humberto (Fábio Assunção), um personagem que só pensava em se dar bem e a qualquer custo, tanto que passou a perna em sua companheira de safadeza Zoé, algo que surpreendeu a ela mesma a quem assistiu. O ator foi muito feliz na composição e foi bom vê-lo em cena, mostrando que Fábio ainda tem o seu lugar na nossa dramaturgia.
Tramas paralelas mostrando mais do mesmo
As tramas paralelas do autor nunca saltaram aos olhos do público, pelo contrário, geram a vontade de pular cenas. Em Todas as Flores isso não foi diferente, pois os núcleos de Oberdan (Douglas Silva) e Darci (Xande Di Pilares) no início eram até ok, mas com o decorrer da trama, começaram a irritar.
Uma personagem que faz parte das tramas paralelas que conquistou o público foi Mauritânia (Thalita Carauta), com seu jeito irreverente, mas que ao longo da trama foi perdendo o brilho, se resumindo a viver um amor com Javé (Jhona Burjack) e a conquistar a filha Brenda (Heloisa Honein), que sentia vergonha da mãe, mas ao vê-la rica, se aproxima por mero interesse. Mauritânia que era incrível foi reduzida a um triângulo e no fim também decepcionou.
Diego (Nicolas Prattes) foi outro personagem que se destacou ao longo da trama, fazendo o público sofrer a cada ideia sua que dava errada e ao mesmo tempo torcer para que a tal vingança que ele jurou acontecesse. Essa segunda vingança também ficou somente na promessa. Neste núcleo de Diego, o grande destaque foi Débora (Bárbara Reis) uma femme fatale que conquistou a quem assistia.
'Todas as Flores' foi a segunda novela original Globoplay, que foi muito melhor do que o primeiro lançamento da plataforma. Mesmo com alguns detalhes que decepcionaram o público, o saldo é positivo, foi uma novela que com certeza modificou o "top novelas do JEC" na preferência dos noveleiros. Prometeu muito, entregou o que deu, rendeu boas atuações.
O que fica é a sensação de que o autor subestimou o público, mas sabemos que a régua do noveleiro é sempre afiada. Portanto, que JEC capriche na sua próxima obra, porque o nível de exigência por uma boa obra só aumenta.